Nota de esclarecimento: Acupuntura ou Agulhamento a Seco?
- Sohaku Bastos
- 7 de out. de 2016
- 4 min de leitura

Ultimamente, temos ouvido falar de tratamentos que podem se passar por Acupuntura, ou que parecem estar relacionados ao ato acupuntural. Um deles é o agulhamento a Seco ou, em inglês, Dry Needling, que se caracteriza pela inserção de uma agulha filamentar sólida, sem medicação, através da pele com o objetivo de tratar sintomas e disfunções, dentre eles, o alívio da dor, cicatrização de tecidos, flexibilidade, propriocepção, e até a ativação neuromuscular.
Um fato importante é que a inserção de agulhas da técnica do Agulhamento a Seco não obedece às técnicas tradicionais da Acupuntura, tampouco utiliza os pontos tradicionais dos canais energéticos. Ao empregar apenas a inserção de agulhas em pontos álgicos, pontos motores ou pontos de gatilho (trigger points), o Agulhamento Seco se diferencia, totalmente, da teoria e prática da Acupuntura, não podendo ser confundida com a mesma.
A Acupuntura é um recurso terapêutico da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), que possui uma doutrina terapêutica própria e uma inusitada racionalidade em saúde. A mesma possui um extenso histórico de ensino e pesquisa em todo o mundo, contemplado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) com as “Diretrizes para o Treinamento Básico e Segurança em Acupuntura”. Ademais, a Acupuntura possui uma ampla indicação em diversas enfermidades, de acordo com a “Lista de Doenças Tratáveis pela Acupuntura” de autoria da OMS. A importância da Acupuntura no contexto sócio-assistencial, no Brasil, revela-se na sua inclusão no Sistema Único de Saúde, através da Portaria nº 971/2006, que instituiu a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares do Ministério da Saúde.
Para se realizar um tratamento com Acupuntura é fundamental que se faça, previamente, o diagnóstico energético-funcional do paciente, o qual irá nortear toda a prescrição dos pontos e áreas corporais a serem estimulados. O diagnóstico médico clínico-nosológico auxilia o acupunturista, mas não substitui o diagnóstico energético-funcional. Já no Agulhamento a Seco, prevalece o diagnóstico no modelo ocidental, ignorando o diagnóstico no modelo oriental.
Outro ponto de alta relevância é o fato de a Acupuntura ser uma ciência tradicional de saúde, e não apenas uma técnica complementar utilizada para tratar sintomas e disfunções musculoesqueléticos. A existência da Acupuntura Clínica, e não apenas sintomática, fundamenta-se em doutrina própria, fundamentos filosóficos, estudos anatomo-fisiológicos específicos, conhecimentos etiopatogênicos e fisiopatológicos, além de um forte domínio da propedêutica da semiologia da Medicina Tradicional Chinesa.
Modernamente, existem vários recursos no tratamento da dor somática devido ao aprofundamento em estudos científicos de neuroanatomia e neurofisiologia, além de conhecimentos sobre a modulação neuroquímica da dor, mediante a liberação de substâncias endógenas pelo organismo, como os neurotransmissores, os peptídeos opióides, dentre outras. Ocorre que, na prática da Acupuntura, existem procedimentos analgésicos superficiais e profundos, incluindo até sua aplicação em condutas cirúrgicas.
Para tanto, em procedimentos de Acupuntura no controle da dor, selecionam-se pontos de acupuntura em áreas e pontos locais, e em áreas distais, incluindo os pontos dos microssistemas, em uma grande complexidade de raciocínio clínico, bem diferente da inserção pura e simples de agulhas em pontos álgicos ou de gatilho, objetivando uma estimulação intramuscular, como é o caso do Agulhamento a Seco.
A indicação terapêutica da Acupuntura é muito mais ampla do que a indicação da técnica do Agulhamento a Seco. Na clínica da Acupuntura há extensa indicação para síndromes externas (musculoesqueléticas e neurológicas) e para síndromes internas (disfunções de órgãos e vísceras), além de indicações em centenas de padrões sindrômicos de desarmonia energética, consoante a nosologia clássica chinesa.
Os cursos para a formação de profissionais da técnica do Agulhamento a Seco, enquanto recurso fisioterapêutico, tem uma carga horária mínima de 30 (trinta) horas/aula, ou seja, muito aquém da formação do especialista em Acupuntura, que cursa 1.200 (hum mil e duzentas) horas/aula de carga horária, em dois anos letivos. Pela grande diferença de carga horária, pode-se avaliar a profundidade de conhecimentos no estudo dessas duas práticas, onde o especialista em Acupuntura perfaz o proporcional de 40 (quarenta) vezes mais que o profissional da técnica de Agulhamento a Seco.
Dessa forma, constata-se que a Acupuntura é uma ciência tradicional de saúde, abarcando intensa pujança propedêutica e grande riqueza terapêutica, e o Agulhamento a Seco é uma técnica terapêutica recente que é empregada, tão-somente, no restrito campo de problemas musculoesqueléticos. Faz-se necessário, contudo, esclarecer aos profissionais da saúde, e em especial à população brasileira, que há uma grande diferença entre a Acupuntura Clínica da Medicina Tradicional Chinesa e a técnica de Agulhamento a Seco, ou seja, aquele profissional que empregar a técnica do Agulhamento a Seco (Dry Needling) não estará realizando a Acupuntura e nenhum de seus recursos terapêuticos complementares.
Cabe à Federação Brasileira das Sociedades de Acupuntura e Práticas Integrativas em Saúde (FEBRASA), enquanto entidade que representa as instituições e os profissionais de Acupuntura do país, defender o exercício profissional da Acupuntura em caráter multiprofissional, fomentando o melhor ensino e a prática com segurança dessa arte-ciência em prol do interesse social.
Dr. Sohaku Bastos
- Presidente da Federação Brasileira das Sociedades de Acupuntura e Práticas Integrativas em Saúde (FEBRASA).
- Membro Executivo e Diretor para o Brasil da World Federation of Acupuncture and Moxibustion Societies (WFAS),
em relação oficial com a Organização Mundial da Saúde (OMS).
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